quinta-feira, 20 de março de 2008

Degradação da política

Artigo jornalístico realizado em sala de aula.

Gisele de Goes Fontes Noguchi


As experiências do horror vividas pela humanidade com os regimes ditatoriais e totalitaristas e, trazendo para mais perto de nós, como o crime organizado, são consequências pelas mudanças e perda de valores sofridos pela necessidade na era moderna e contemporânea, tanto no campo da tradição, como da autoridade e religião. Entre essas mudanças, destaca-se a inversão de papéis: o fazer, torna-se a atividade fundamental e humanizadora do homem. O modo utilitarista de pensar invade todos os domínios promovendo uma glorificação do trabalho, o que significa uma glorificação da mentalidade estratégica e instrumental que não deveria existir na política, porque diante de uma forma utilitarista de pensamento, nada pode conservar uma grandeza intrínseca, pois se é conduzido a esquecer-se do "bem comum", ideal político defendido nos espaços públicos desde a pólis grega, para buscar o ‘bem individual" e privatizado.
Dessa forma, a esfera pública deixa de ser a esfera do político, da ação e da virtude e passa a ser a esfera do comerciante, do trabalho e dos bens fabris, e a própria vocação do "zoon politikon"se vê dirigida para estes mesmos fins e não mais à busca de ações virtuosas por si mesmas. Ou seja, usada apenas para atingir um fim específico, a palavra perde sua característica de revelação.
Para Hanna Arendt (filósofa alemã –1906 a 1975), ação e discurso são o elo entre os homens, pois o relacionamento dos homens entre si e destes com o mundo que os circunda, se dá por meio do discurso e da ação, que além de dar origem ao próprio fato político, que é o espaço da aparência, lhes permite a manifestação física enquanto homens, e não como meros objetos. Porém, quando acontece a degradação do discurso e da ação, quer dizer, se dá consequentemente, a degradação da vida na esfera política, por se ter quebrado o elo original de ligação dos homens entre si e destes com o mundo.
Dá-se, então, o momento em que a ação é instrumentalizada e o discurso perde sua essência. Ou seja, separa-se a ação do discurso, as palavras tornam-se vazias e empregadas no interesse próprio, e os atos se tornam brutais, usados para violar e destruir. O abismo existente entre a ação e o discurso, onde o agir em concerto é substituído por uma justaposição de indivíduos isolados e a ação criadora é trocada por atividades pré-determinadas, nos lança o grande desafio de integrar essas duas capacidades humanas, porque a palavra é, exatamente, aquilo que torna relevante e significativa a ação.
Todos esses fatos formam o quadro de experiências políticas de nosso século. Como verificamos, são raras as experiências positivas na esfera política que a História apresenta. Em contrapartida, são demasiadas e calamitosas as experiências que nos fazem descrer de um sentido da política. Porém, Arendt abre espaço de esperança em suas obras para que todos os aspectos de ação e liberdade, também contidos em seu pensamento, venham à tona a clarear em como melhorar a política atual. Sermos capazes de pensar e falar sobre aquilo que somos capazes de fazer é o primeiro passo para a liberdade e regeneração da vida na esfera política. Pois, na medida em que expressamos o que pensamos sobre o que fazemos, trazemos à realidade, tornamos reais resgatando o espaço da aparência; dessa forma é possível ver, frente a frente, o que verdadeiramente fazemos, gerando um conhecimento e uma reflexão. Assim, para conservar a possibilidade da prática da liberdade, e, consequentemente, a dignidade da vida, os seres humanos devem preservar o espaço público, campo por excelência da atividade política, o que requer a luta pelo direito de ter direito. Só dessa forma, segundo a tradição grega, a pólis continua a ser origem da liberdade e a política torna-se, então, um meio de regenerar a vida, recuperando o sentido de "bem comum".

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